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quarta-feira, 21 de julho de 2010

De um Bar - Cícero Santiago de Oliveira


Mas a força eu retiro, sugo feito vampiro
De saber que as estrelas também vivem sós
De um cigarro amassado, de uma rua deserta
De outros que até eu posso sentir dó
Da menina dos olhos grandes feito a lua
De uma noite sentindo tua carne crua
E dos bares, das festas
Dos vinhos, serestas
Das mentes infestas de podres horrores
De mil desamores
Do chopp das quatro, deste doido mundo
Ney Lisboa


Eu sentida, travado na minha garganta, um ímpeto quase que incontrolável de dizer a ela que naquele dia, como em tantos outros, estava a perambular pelas ruas e a desviar das cadeiras entre as mesas dos bares deslumbrantemente fêmea, com seus pêlos e sua pele tornando lindos aqueles panos coloridos que ela enfeitava - cada peça, estava claro, colocada estrategicamente sob sua pele negra, em um trabalho minucioso, que só uma fêmea que pretende despertar desejos sabe manipular. Mas não dizia.

Preciso lhe dizer, ando querendo desesperadamente aquela morena, comentei com uma amiga em comum. Ah! Ela é minha amiga, mas vou lhe dizer, é tão complicada ... Me disse um milhão de bobagens, encenando que tinha algum tipo de pudor que, evidentemente, não existia. Estava louca para dizer.

Que crueldade, pensei comigo mesmo. Seria mais uma destas estórias proto-freudianas e chulamente óbvias da moça com algum tipo de desvio paterno, que precisava da figura de um machão, para invadir-lhe a vida toda, saborear seu cotidiano, adorá-lo nas novidades, até concentrar-se em seus defeitos, até tomá-lo como um completo imbecil e procurar outros cotidianos, novas civilizações?

Pensei se seria mais um destes seres a afetar logo a mim, mais uma vez? Logo a mim, que desde a infância, talvez, provavelmente, também por desvios chulamente óbvios, imaginava que o amor seria algo como que algum tipo de amizade muito da honesta, cheia de admiração, de companheirismo, temperada com uma boa dose de tesão e passionalidade?

Estaria eu, novamente, diante destas criaturas insatisfeitas com seus cotidianos, com suas vidas, dispostas a fazer uma pequena revolução pessoal, que se constituía basicamente em explorar novos horizontes, que não eram outra coisa que o cotidiano da vida de outras pessoas que pudessem lhe salvar da mesmice de cada dia, lhe oferecer novas aventuras, satisfações nesta vida maluca que a gente tenta fazer com que não seja uma vida de merda?

Estas coisas que surgem como um vulcão de originalidade e que, diante da incapacidade de reinvenção do cotidiano, em pouco tempo se tornariam novamente mesmices insuportáveis, cheias de objetos e objetivos  insuportáveis, conversas insuportáveis, companhias insuportáveis e lugares insuportáveis ...

Ela ficava sentada em minha frente e eram necessárias discrições ao extravasarmos nossos desejos, por vezes permeados pela civilidade que os bares de lugares machistas exigiam de mulheres que tinham um proprietário e por vezes descarados em olhares que se encontravam, dançavam, codinomes por demais carinhosos e recheados de desejos, e mãos que queriam se encontrar, mas não se permitiam, não se bem sei por urbanidade, ranço católico ou puro medo.

Ela me surgiu assim: falando coisas engraçadas e pitorescas do cotidiano, com os olhos rebolando sexualmente para a direita, enquanto seu rosto se curvava para cima, depois para a esquerda - não demorei a perceber que fazia isso quando pretendia mostrar-se mais fêmea, como se precisasse de tais artifícios que, explicitamente à ela, eram completamente desnecessários.

Depois encarnava uma intelectual sarcástica e, mostrando afinidade, gargalhava das imbecilidades dos mortais. Falava-me de livros que leu e discos que ouviu, de autores ou filmes que a haviam tocado profundamente.
E rindo acabava sempre por me falar de como se sentia só e dos planos mirabolantes que andava criando para reinventar a vida toda em um futuro sempre distante. Eu procurava ficar em silêncio, até onde conseguia, fazendo pequenos comentários no que eu acreditava estrategicamente, deveria ser um monólogo.

Queria lhe falar de como seus passos, gestos, cheiro, pele e verbo andavam a hipnotizar-me. Que miragens de seu corpo negro-índio exposto sob minha pele e minha língua andavam perambulando doce e risonhamente pelos meus pensamentos e sonhos imediatos. Mas continuava em silêncio, por pura conveniência poética.

Aprendi aos poucos que queria conhecer aquela mulher que me surgia casualmente no bar, depois do trabalho, no final das tardes daqueles dias. Mas não conseguia observar racionalmente como ela pretendia se projetar para mim porque o ímpeto guardado na minha garganta era voraz de tal forma que era necessário um esforço descomunal, mamífero, que exigia um certo tipo de controle dos sentidos, dos olhos, das mãos, das pernas, da coluna inteira, que me impedia de ouvir qualquer coisa, anestesiado, criança boba e sedenta que ficava com sua presença.

Preciso ir meu bem, nos falamos amanhã, não é? Eu respondia simplesmente que sim, naquele mesmo bar, no final da tarde, como sempre. Tentava pensar em algo divertido para dizer, mas sem que nenhuma piada que me surgisse espontânea, honesta, pronta. Ela seguia desfilando, arredando as cadeiras entre as mesas e os olhos de homens e mulheres, até tomar a rua.

Eu pensava em sair dali, não havia mais razão plausível naquele lugar, naquele bar. Sairia, encontraria outra mulher, mas logo pensava também que todas haviam se tornado um pouco desinteressantes diante da existência dela.

Trocava de mesa, de País, de linguagem, de civilização. Ouvia e falava sobre política, sobre o que estava lendo ou escrevendo, sobre alguém que estava doente, fodido e mal pago. Acabava por ficar entediado e tomava mais duas cervejas e o cuidado de não demonstrar o tamanho de meu tédio.

Acabava por tomar a rua, inventar uma companhia que perfumasse meu espírito. Ia risonhamente, cheio de amor pela humanidade inteira, por saber que era um macho que, em doses homeopáticas, ia aprendendo um pouco da arte de ser fêmea também. Saia do bar louco de vontade de tomar um soco no estômago, numa experiência que valesse a pena. Ia caminhando pela rua, feliz e satisfeito por minha condição masculina, em um mundo de machos, acompanhado por uma estranha, para um lugar que não conhecia experimentar linguagem e pele que não conhecia. Mas era apenas uma questão de tempo. .

Cícero Santiago de Oliveira
Filhote de Macunaíma

1 comentários:

Wander Shirukaya disse...

Sinto muito, mas não gostei não, a narrativa me parece meio verde, fora laguns errinhos de portugues q atrapalham a compreensão. É uma pena, desculpas mais uma vez.
:(

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