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sexta-feira, 16 de julho de 2010

È Mentirinha - Paulo Meucci

Ontem eu briguei com a minha mulher por um motivo aparentemente bobo: menti para ela. Então hoje de manha ao acordar, no sofá, prometi a mim mesmo que não iria contar uma mentirinha se quer durante todo o dia.
            Estava tudo dando certo, até eu me levantar. Procuro minhas pantufas aos pés do sofá, mas tudo que acho são as roupas que usei no dia passado. "Ótimo", pensei ironicamente, "terei que andar por esse chão gelado até o andar de cima para pega-las la no quarto". Esse foi o meu primeiro sinal de que o dia não seria nada bom. Ao passar pelo corredor em direção às escadas, me deparo com Dona Maria, empregada lá de casa, que me cumprimenta com um simpático "bom dia". "Péssimo dia" respondi de imediato, impedido de dar uma resposta mais agradável, porém menos sincera.
            Subo os degraus e entro no quarto na ponta dos pés para não acordar minha mulher. Não queria discutir logo de manhã. Estava quase alcançando minhas tão desejadas pantufas quando o despertador começa a tocar. Não deu outra, minha mulher acordou e, antes de perceber sua feição de felicidade ao me ver, murmuro quase que inconscientemente: "maldito despertador, nem pra me deixar escapar." Depois disso toda a cena dentro do quarto aconteceu tão rápido que me pergunto como consegui escapar sem ser brutalmente ferido. No mesmo momento a feição de minha mulher mudou de meu-mundo-cor-de-rosa para saia-agora-da-minha-frente. Mais que depressa captei a mensagem e disparei porta a fora em tempo de ver um vulto raspando minha cabeça e se estraçalhando na parede. Que pena, aquele abajur tinha sido tão caro.
            Descendo novamente as escadas, com os pés congelando, me dirijo até o quarto de hospedes e tomo um banho rápido, vestindo a mesma roupa de ontem. Antes de sair para o trabalho fui a cozinha tomar um café. Dona Maria havia me queimado um misto quente e preparado um suco aguado de maracujá . "Para acalmar os nervos", disse ela. "Só não precisava economizar na água", pensei. Provei aquela comida nem um pouco saborosa e já ia saindo pela porta de casa quando ela me pergunta oque eu tinha achado da refeição. "Horrível", respondi, "quando vai aprender a cozinhar?", e saí em direção ao carro, não sem tempo de virar o rosto e perceber uma lágrima solitária saindo do rosto de Dona Maria. "Estou virando um monstro", pensei.
            Dirijo até a empresa tentando me acalmar, era dia de reunião. Sala cheia, diretor presente. No final da apresentação de um novo plano que "maximizaria os lucros da empresa" o diretor resolve escolher uma pessoa para mostrar sua visão sobre o apresentado. E para meu azar, essa pessoa era eu. Me levanto da cadeira, já tremendo pelo pensamento na futura demissão, e lhe digo que só um jumento poderia pensar que uma coisa dessas seria bom para a empresa. Não deu outra: estava desempregado.
            Pego meu carro e, sem casa para ir, resolvo beber em um bar para esquecer os problemas. Mal sabia eu que mais um estava preste a surgir. Com a cabeça nas nuvens e baixa concentração no trânsito, acabo enfiando o carro em um poste que cai no carro de um policial. PT no carro, mas por "sorte" continuei vivo. O policial sai do carro e, puto da vida, pede a carteira de habilitação e, pra variar, outra burrada: "se deixar de ser um imbecil e me pedir com educação eu entrego". Para completar o meu "maravilhoso" dia: fui preso.
            Agora, sentado nessa sela suja e lotada me pergunto oque mais valia a pena, mentir e perder a mulher ou ser sincero e perder, alem da mulher, a empregada, o emprego, o carro e a liberdade.



Paulo Meucci

11 comentários:

Stella Araujo disse...

Eu disse para o Paulo que ele sabia escrever sim... O resultado agora está ai. Parabéns para ele =D

Paulo Meucci disse...

Uhul, primeira cronica que escrevi \o/

Wander Shirukaya disse...

Engraçadinho. Nada mal para a primeira cronica.

Catiaho Reflexod'Alma disse...

Bela cronica.
Mas que foi dia de cão a la Nelson Rodrugues,
ah foi.
Adorei.
Bjins entre sonhos e delírios

Marina Barcelos disse...

Gostei da sua primeira crônica, muito boa na verdade.
BjinhoooOs

Rui disse...

gostei de ver
tem que ser assim, falar sempre a verdade
só assim pra ganhar uma vaga no céu
kkkkk

Unknown disse...

muito boa a cronica !!
adorei *-*

Unknown disse...

Muito austuta!
Adoro crônicas por isto... Nos fazem ver a situação com um absurdo corriqueiro!
Parabéns!
;D

Lorena disse...

Muito, muito, muito , muito legal. Eu me diverti muito e voce conseguiu passar as situações com muita clareza. Ficou bem real.
Muito legal mesmo.

Guilherme Vieira disse...

mandou!

Luisa disse...

a cronica tá muito muito boa , merece sair no impresso.

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